Motoristas mulheres vencem preconceitos e constroem trajetórias de vida no volante: 'Gosto de mostrar que sou capaz'
02/08/2025
(Foto: Reprodução) Motoristas mulheres vencem preconceitos e constroem trajetórias de vida no volante
Dados do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) apontam que existem 86.541 motoristas em Itapetininga (SP). Deste total, 35.493 são mulheres, representando 41% dos condutores da cidade. 6.254 delas ainda atuam como motoristas profissionais com a identificação EAR (exerce atividade remunerada) na carteira de habilitação.
A carreteira Camila Grace Rodrigo e a trabalhadora do transporte coletivo Daniela Silva Santos, ambas de 35 anos, contam ao g1 como lidam com o preconceito, enfrentam o trânsito e conquistam a liberdade nas estradas e ruas. Elas fazem parte do grupo de motoristas de veículos pesados, para os quais é necessário ter CNH categoria D (ônibus) ou E (carretas).
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Ainda segundo o Detran, em 2023, foram emitidas 2.691 CNHs para mulheres em Itapetininga, sendo seis nas categorias C e E, e 57 na categoria D. No último ano, o número caiu para 2.542, com apenas duas na categoria C, 71 emitidas na D e sete na E. Neste ano, até o mês de julho, foram expedidas 1.374 CNHs, com 24 na categoria D e quatro na E.
Camila percorre o Brasil em carreta
Carreteira Camila Grace Rodrigo, de Itapetininga (SP), percorre as estradas do país há quatro anos
Camila Grace Rodrigo/Arquivo pessoal
Há quatro anos atuando como motorista de carreta, Camila Grace Rodrigo percorre o país com um veículo que tem comprimento de 18 metros. Ela já viajou para Minas Gerais, Rio de Janeiro, Santa Catarina e cidades da região de Itapetininga, como Bom Sucesso de Itararé e Tatuí. Em seu veículo, já transportou materiais como dolomita, calcário e areia.
Ela começou como motorista de transporte escolar e, depois, passou para o transporte de carga viva, à medida em que foi criando mais paixão pela profissão. Camila brinca que o diesel "corria em suas veias", porque seu pai também era motorista, mas morreu sem realizar seu sonho de dirigir uma carreta.
No começo, a escolha profissional não foi apoiada por seus familiares, mas, aos poucos, todos aceitaram o seu serviço. Camila é casada há 11 anos, tem duas filhas, de seis e 15 anos, e percebe que sua presença faz falta na rotina da casa.
"Às vezes, a pequenininha manda mensagem para mim: 'Mamãe, quando você vem para casa?'. Isso me corta o coração. Aí, quando eu chego em casa, a alegria é outra. A gente faz falta para os filhos da gente, não pode estar ali todos os dias como uma mulher normal estaria em casa com seus filhos", pondera Camila.
Ela afirma que tenta lidar com o preconceito contra mulheres motoristas, mas, às vezes, só escuta e deixa passar.
"Passa por cima e bola para a frente. Se a gente for dar ouvido para tudo o que falam, a gente deixa de viver. Se eu fosse dar ouvidos, eu acho que hoje não estaria aqui e não teria realizado esse sonho. Eu sou daquelas pessoas que eu não me deixo abater, eu gosto de mostrar para as pessoas que eu sou capaz", relatou.
A carreteira também relembrou momentos nos quais outros motoristas homens "jogaram" seus veículos em cima do dela, porque acabam não aceitando a participação de mulheres na categoria. Em outro momento, um homem motorista de carreta passou por ela, xingou e fez gestos de que não estava feliz em ver uma mulher ao volante.
"Eu sempre comento com os meninos no trabalho: para a mulher sempre vai ser mais difícil. Mas hoje as mulheres estão dominando muitas áreas e muitas têm mais capacidade do que os homens", reforça.
As maiores dificuldades encontradas por Camila na estrada são relacionadas a higiene, porque muitas vezes param em lugares que não oferecem banheiros adequados, e quanto a segurança. Sobre isso, manter a carreta em dia e ter uma postura consciente no volante são essenciais.
"Eu dirijo com muita cautela, com muito medo, porque eu tenho uma família para voltar para casa, né? Uma família e um esposo ali que me aguardam. Outros familiares na estrada, na rodovia, também têm família e querem voltar para ela. A gente sempre tem que ter cuidado e segurança em primeiro lugar, sempre."
Camila compartilha sua rotina nas estradas pelas redes sociais, revelando situações cotidianas como o momento em que a carga é colocada na carreta, e também alguns momentos difíceis. Assim, procura mostrar para outras mulheres que é possível se tornar carreteira.
Daniela atua como motorista da linha municipal
Daniela da Silva Santos é a única motorista de ônibus mulher em linha municipal de Itapetininga (SP)
Daniela da Silva Santos/Arquivo pessoal
Daniela da Silva Santos atua como motorista de ônibus no transporte público de Itapetininga. Por dia, segundo ela, cerca de 300 pessoas passam pelas linhas dela há dois anos. Ela conta que tirou sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) em 2010 e, na época, existia bastante preconceito, mas o desejo em trabalhar na categoria nunca enfraqueceu.
Daniela relembra que morava em um bairro afastado quando se casou e isso gerou uma dependência de seu ex-companheiro para conseguir fazer atividades como ir ao médico ou mercado. Ela sempre quis dirigir, mas teve de adiar o sonho da habilitação por não ter condições financeiras na época.
Mais tarde, não só conseguiu tirar a carta como, também, subir de categoria. Em 2023, surgiu a oportunidade do processo seletivo para trabalhar como motorista de ônibus.
"Me inscrevi no processo seletivo, estava trabalhando na época como cozinheira. Eu me inscrevi porque o desejo e vontade sempre foram enormes, mas tinha medo pelos preconceitos e alguns internos, como: 'Será que eu vou conseguir?'", relatou a motorista, que começou a atuar no transporte público em julho de 2023.
A superação de obstáculos acaba acontecendo também no dia a dia. Uma situação difícil que Daniela relembra ter enfrentado foi a grosseria de um passageiro que embarcou no ônibus e, no ponto final, não tinha descido. Ele também fez gestos sexuais obscenos para a mulher.
Na vida pessoal, a motorista recebe o apoio e elogio de seus filhos, que já são adultos. "Sempre falam da profissão, acham bonito. Para eles, eu acredito que sou inspiração, exemplo, né? Eu amo o que eu faço, é uma baita de uma responsabilidade, porque são vidas, são pessoas, é trânsito. Nada paga a experiência, é muito bom", conta, realizada.
*Colaborou sob supervisão de Eric Mantuan
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